A imensidão dos rios, mares e oceanos, embora fascinante e cheia de vida, também esconde um lado sombrio: as complexas e implacáveis fases que o corpo humano enfrenta quando luta pela sobrevivência em uma situação de naufrágio. Desde os primeiros sinais de sede intensa até os efeitos devastadores da desidratação e da exaustão, a água salgada, em vez de ser uma aliada, se torna um fator cruel que acelera o declínio físico e mental, levando a um desfecho inevitável se o resgate não ocorrer a tempo.
Neste artigo, extraído do Trabalho de Conclusão de Curso de Formação de Oficiais de Náutica da Marinha Mercante, de ISABELLE CASSEMIRO DA CUNHA E SILVA, apresentao algumas considerações sobre a correta compreensão da utilização desse elemento em situações de naufrágio e os efeitos da água salgada sobre o corpo humano em situações de naufrágio.
A água é o principal elemento para o total funcionamento dos organismos dos seres vivos. A porcentagem que a água ocupa no corpo humano pode chegar a setenta e cinco porcento do peso total, tornando-se um elemento fundamental para a nossa sobrevivência. Neste artigo,
Segundo Celso A. J. de Rezende em sua obra “Sobrevivência no Mar”, médicos da “U. S. Navy” comprovaram que um homem privado de alimentos, mas com água em abundância para beber pode ter uma sobrevida de vinte a trinta dias, dependendo da sua complicação e condições ambientais, a comprovação foi constatada realizando o mínimo de esforço físico do corpo humano.
Em alto mar, numa balsa salva-vidas ou dentro de uma baleeira, os recursos hídricos disponíveis são escassos, deve-se, portanto, economizá-los e consumir com responsabilidade. Nas primeiras 24 horas após o abandono não se deve consumir a água disponível na palamenta das embarcações uma vez que são nessas primeiras horas que ocorre um desequilíbrio orgânico no corpo humano, havendo maior excreção urinária, na qual o excesso de água é liberado. Além disso, deve-se evitar a perda de água pela sudorese não se agitando, mantendo a ventilação da balsa e, se necessário, molhando as vestes.
Uma das primeiras providências ao embarcar numa balsa salva-vidas é a ingestão de um comprimido de remédio para não marear, até mesmo as pessoas que não costumam sofrer com o mareio devem tomá-lo. Isso evita que a água do corpo humano seja perdida com enjoos causados pelo mareio. Em caso de febre ou diarreia, devem ser usados os medicamentos disponíveis no estojo de primeiros socorros para evitar a perda de água do organismo. O repouso é essencial para o equilíbrio físico e mental do náufrago.
Todas as pessoas, exceto os feridos, devem receber a mesma quantidade de água para que não existam possíveis discórdias ou desavenças no grupo pertencente à balsa. Uma cota extra de água deve ser separada para os feridos. A sede que aflige o náufrago pode ser reduzida estimulando a salivação; relatos de náufragos diziam que a estimulação era feita mascando objetos sólidos ou até mesmo panos. Para auxiliar nessa tarefa, a palamenta das embarcações de sobrevivência contém gomas de mascar que tem o objetivo do estímulo da salivação.
É importante saber que, de acordo com estudos de médicos renomados tal como o britânico MacDonald Critchley, não se deve beber água salgada, nem mesmo misturada com água potável uma vez que o sal fica acumulado no corpo, havendo necessidade de água potável para dissolvê-lo nos rins e em seguida eliminá-lo pela urina. Como em condições adversas no mar, a água portável é insuficiente para eliminar tal quantidade de sal, a própria água do organismo vai migrar para eliminar o sal acumulado, assim, o náufrago que consome água do mar agrava o seu estado de desidratação, podendo inclusive morrer. Sangue de animais, bem como urina, não devem ser considerados como fonte de hidratação. O sangue dos animais deve ser considerado como alimento.
As fases da morte pela água salgada segundo o médico britânico MacDonald Critchley
1. Imediata sensação de saciedade
2. Aumento intenso da sede
3. Bebe-se mais água salgada e então a vítima se torna silenciosa e apática
4. Os olhos e expressão da vítima ficam gélidos e fixos
5. Lábios, boca e língua ficam com um odor ruim
6. Dentro de uma hora ou duas a vítima começa a delirar podendo ficar violenta
7. A consciência é gradualmente perdida
8. A coloração da face muda e a boca começa a espumar
9. A morte chega de forma silenciosa
A chuva é a maior das dádivas para o náufrago que sofre com a falta de água potável. Quando ela ocorrer, deve-se beber tanta água quanto puder conter o estômago, mas sem que se sinta mal. O armazenamento da água da chuva deve ser feito tendo o cuidado de não a contaminar com a água do mar. Além disso, o orvalho que se forma no toldo da balsa também pode ser recolhido com o auxílio de esponja ou pano a fim de aumentar a reserva de água disponível para os sobreviventes.
Reginaldo Mauro Neves é fundador e administrador do Clube do Arrais. Mestre-Amador, Veterano da Marinha do Brasil | Ex-tripulante da Fragata "Liberal" (1991-1993) | Operador de Radar na Fragata "Independência" (1995-1997) | Controlador Aéreo Tático Classe "Alfa" na Fragata "Dodsworth" (2000 - 2003) | Controlador Aéreo Tático Classe "Alfa" na Fragata "Greenhalgh" (2003 - 2005) | Encarregado da Seção de Segurança do Tráfego Aquaviário na Agência Fluvial de Imperatriz-MA (2008 - 2011)